quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Da minha infância problemática

Quando era pequena era cantora.
Todos os natais era ver-me a subir para um banco inteiriço enorme de madeira (que a minha avó mandava pôr na cozinha para que a família toda pudesse comer sentada), onde encorporava, qual Tina Turner, um vasto reportório de canções e respectivas coreografias. Lembro-me de cantar aquela do "na praia, num barco, num farol apagado", e de ter dançado "É o bicho, é o bicho, vou-te devorar" no casamento da minha prima, em pleno altar, enquanto a outra menina das alianças (sim, porque eu e ela éramos as meninas das alianças) me olhava petrificada de vergonha alheia e preplexa de horror face à minha proposta de que ela também entrasse na performance (eu tinha um atraso)! E o pior de tudo é que o casamento estava, obviamente, a ser filmado e a minha demência ficou para sempre registada em vhs.

Mas a minha maior performance, aquela que fazia as minhas tias chorarem (de riso) e o meu tio pedir-me bis, aquela em que eu arrancava uma onda de aplausos contagiante e crescente digna de um autêntico concerto dos The Doors, aquela que movia multidões (da sala para a cozinha), que fazia todo o clã vibrar aos meus pequeninos pés, ao rubro em redor do meu (e só meu) palco improvisado, era (tchan tchan tchantchan)... a "Mãe querida, mãe querida".

Eu passava a vida a cantar aquela merda! Eu era "mãe querida, mãe querida" enquanto andava de baloiço, enquanto brincava sozinha feita renegada como filha única que sou, "do melhor que a gente tem". Toda uma letra grasnada no decorrer das diversas actividades quotidianas que compunham os meus atarefados dias de criança.

Ainda hoje, admito, sei a letra de cor e relembro, com nostalgia, os olhos embevecidos e marejados de lágrimas da minha própria mãe sempre que eu lhe atirava com a canção à cabeça. Nessa altura é que a minha mãe gostava mesmo mesmo de mim!! Agora só me tolera. Não posso deixar de me questionar se não será por vingança que ela me apresenta batatas cozidas para jantar, quando eu venho do Porto esgalfada de fome... "Ai já não cantas para mim? Então mama aí batatas".

Lembrei-me de tudo isto porque hoje, após um longo discurso de incoerência típico de quem não está bom da cabeça, um passageiro começou a cantar a dita cuja para todos aqueles que o quisessem ouvir (e para os que não quisessem também). Parecia um rouxinol. O orgulho do artista fez-me recordar uma panóplia de actuações, há muito escondidas  nos recantos das minhas memórias mais embaraçosas. O mais estranho disto tudo é que ele estava a ouvir, através dos seus bem abençoados headphones, a música a passar na rádio...
Mas que raio de estação é que ainda passa a "Mãe querida, mãe querida"??

Catarina Vilas Boas

P.S.: E o Dean Norris no 5 para a  meia noite?! Que qualité! Nossa, as saudades que eu tenho de Breaking Bad.

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